Notícia - STF conclui audiência pública sobre "uberização" e julgamento fica para 2025

O STF (Supremo Tribunal Federal) promoveu nesta semana, na segunda-feira (9) e na terça-feira (10), uma audiência pública para discutir a possibilidade do reconhecimento do vínculo empregatício entre motoristas de aplicativos e as respectivas empresas de plataformas digitais.

O ministro Edson Fachin, relator do processo, justificou a realização da audiência com o objetivo de reunir informações de empresas e entidades que representam os trabalhadores para embasar a futura decisão do Supremo, prevista para 2025.

O processo em julgamento no STF foi protocolado pela plataforma Uber, que questionou decisão do TST (Tribunal Superior do Trabalho) que reconheceu a relação de emprego da plataforma com uma motorista do aplicativo.

 

Em jogo, os direitos e condições de milhares de trabalhadores

A relevância do julgamento transcende o caso específico. Primeiro porque a decisão que for tomada pela Corte terá a chamada repercussão geral, mecanismo que obriga todo o Judiciário a seguir o entendimento do STF após o julgamento de uma causa. Em segundo lugar, porque coloca em pauta a relação trabalhista em um modelo de negócios que tem imposto condições de trabalho precárias e totalmente desregulamentadas no Brasil e no mundo.

Está em jogo o reconhecimento do vínculo empregatício e a garantia de direitos trabalhistas básicos para milhares de motoristas e entregadores. Segundo o STF, há cerca de 10 mil ações que aguardam uma decisão definitiva sobre o tema.


Decisões contrárias no STF

Contudo, o tema tem sido tratado de forma controversa no Judiciário, sendo que no STF há decisões contrárias ao reconhecimento do vínculo empregatício nesses casos. Em dezembro de 2023, por exemplo, a Primeira Turma do STF decidiu pela inexistência de vínculo empregatício entre motoristas e plataformas, alinhando-se a entendimentos anteriores do plenário em casos concretos.

“Os posicionamentos contraditórios nas instâncias do judiciário, inclusive, no próprio Supremo, demonstram a necessidade de organização e luta da classe trabalhadora e das entidades do movimento. Aliás, o STF nos últimos tempos tem tomado decisões contrárias aos direitos dos trabalhadores, para favorecer interesses econômicos”, avalia o integrante da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas Luiz Carlos Prates, o Mancha.

“Vale lembrar também o Projeto de Lei apresentado pelo governo Lula para regulamentar o setor que foi amplamente criticado, pois acaba legalizando o desrespeito aos direitos trabalhistas ao priorizar soluções que mantêm a precariedade”, destacou.


Reconhecimento do vínculo empregatício

Nos dois dias de audiências, mais de 50 expositores apresentaram posições a favor e contra o reconhecimento do vínculo empregatício entre motoristas de aplicativos e as plataformas.

Meilliane Pinheiro Vilar Lima, representante da trabalhadora que teve decisão do TST recorrida pela Uber, relatou que a motorista realizou mais de mil viagens em sete meses e foi dispensada unilateralmente, o que, segundo ela, evidencia a existência de relação de trabalho sob os parâmetros da CLT.

O desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Francisco Ferreira Jorge Neto, destacou que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) é plenamente adequada para tratar do caso, pois nele estão presentes elementos característicos da relação de trabalho. Ele abordou a subordinação estrutural e algorítmica imposta pelas plataformas, que controlam integralmente a atividade dos motoristas, estabelecem regras e exercem fiscalização contínua.

A representante do Dieese, Adriana Marcolino, apontou que trabalhadores de plataformas enfrentam jornadas semanais mais longas e alta dependência dos aplicativos. Ela ressaltou que a precarização é mais intensa nesse setor e que os algoritmos induzem os motoristas a longos períodos de conexão para assegurar renda.

Para Gabriela Neves Delgado, da UnB, as plataformas digitais são prestadoras diretas da atividade de transporte e não meras intermediárias, devendo cumprir deveres legais mínimos, como obrigações previdenciárias e tributárias.

Ricardo Colturato Festi, da ABET (Associação Brasileira de Estudos do Trabalho), criticou a individualização extrema promovida pelas plataformas, que transferem os custos do trabalho para os motoristas e impõem jornadas exaustivas. Ele afirmou que o trabalho não configura real autonomia, mas uma reprodução da informalidade.

O advogado Cezar Britto, falando pela CNTSS (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social) afirmou que a relação entre os aplicativos de transporte e entrega e os motoristas desrespeita as regras do trabalho digno. Segundo ele, não existe autonomia neste modelo de negócios, pois os trabalhadores nem mesmo podem discutir os percentuais que irão receber pelas corridas antecipadamente. Ele explicou que o trabalho digno pressupõe remuneração justa e jornada decente, o que não ocorre nessas relações. 


Contrários ao vínculo empregatício

Já os representantes patronais e defensores da uberização e desregulamentação trabalhista, repetiram os argumentos da suposta “liberdade” dos motoristas por aplicativo e que o vínculo impactaria economicamente as empresas do setor.

Caroline Perônio Arioli, da Uber do Brasil, defendeu que os motoristas têm liberdade para escolher quando e onde trabalhar, o que seria incompatível com as obrigações previstas na CLT. A empresa propõe uma regulamentação que priorize a proteção previdenciária e social sem comprometer a flexibilidade do modelo de negócios.

Alexandre Vitorino Silva, da CNI, argumentou que o modelo de negócios das plataformas revolucionou a mobilidade urbana e que, pela legislação atual, não há subordinação. Ele destacou que os motoristas definem seus horários de trabalho, o que descaracterizaria o vínculo empregatício.

Victor Callil, do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), apresentou dados indicando o crescimento de motoristas e entregadores desde 2022. Ele ressaltou que a maioria desses trabalhadores possui ensino médio completo, com renda familiar de até cinco salários mínimos, dados que foram questionados.

Representantes de sindicatos e expositores contrários à uberização afirmaram que há carência de dados públicos sobre o trabalho de motorista e entregadores, e que quase todos os levantamentos disponíveis usam informações incompletas fornecidas pelas plataformas.

A estimativa é que, atualmente, há cerca de 1,7 milhão de motoristas e entregadores no país. 


Fonte:  STF - 12/12/2024


Comentários

 

O Mundo Sindical e os cookies: nós usamos os cookies para guardar estatísticas de visitas, melhorando sua experiência de navegação.
Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade.